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Apresentação
Quando propusemos o dossiê Comunicação, consumos e cidades, pensamos em discussões sobre territórios e reputação, city branding, eventos como estratégias de branding para a marca-cidade, bem como a imbricação teórica a partir de estudos de caso sobre as comunicações urbanas. Os artigos que nos chegaram – principalmente os aprovados pelo corpo de pareceristas – demonstram o quanto as cidades têm sido palco de diferentes produções midiáticas. Para esta edição, contamos com 14 artigos e uma entrevista. Outros textos, submetidos a este dossiê e aprovados, serão publicados na próxima edição da revista.
A estrutura deste número da Interin se orienta a partir de discussões t eóricas das ciências sociais e da comunicação com variados estudos de caso. Assim , transitamos por letras de músicas, espetáculos, identidades culturais, megaeventos, textos-urbe, corpos, rasuras urbanas, imaginários, tecnologias. O consumo das cidades e nas cidades se ressignifica a cada instante com múltiplas modulações midiáticas que influenciam ou eliminam as marcas das organizações e de seus produtos. Entre os textos selecionados, são recorrentes discussões sobre branding , cultura popular e metrópoles globais que apresentam, à luz de perspicazes metodologias, cenas urbanas do cotidiano nas cidades contemporâneas .
Abrimos o dossiê com o texto de Tânia Hoff e Guy Pinto de Almeida Júnior , Sambando se vive a e na cidade: consumo habitacional em São Paulo a partir de letras de sambas. Os autores analisam o discurso de músicas dos compositores Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini e Geraldo Filme, para compreender a representação das transformações da cidade e o consumo habitacional na capital paulista. Consideram que a experiência de urbanidade, narrada nas composições analisadas, evidencia uma perspectiva lírico-crítica da cidade de São Paulo. Descrever e analisar imaginários e experiências urbanas a partir de músicas também é a proposta do artigo intitulado Cidade multifacetada: um estudo acerca dos imaginários sobre Fortaleza, promovidos por compositores cearenses, de autoria de Sílvia Helena Belmino e Robson da Silva Braga. Os autores selecionam músicas de três compositores – Pingo de Fortaleza, Calé Alencar e Kazane – que escolheram a capital do Ceará para a escrita de suas canções. Também realizam entrevistas com
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os músicos, de maneira a analisar, como as letras das obras selecionadas se constituem como campos simbólicos do espaço citadino.
Na sequência, o leitor vai se deparar com o texto de Vânia Oliveira Fortuna e Mônica Christina Pereira de Souza, Musealização e espetáculo cultural no Rio de Janeiro: estratégias discursivas de consumo da cidade. Neste artigo, as autoras analisam reportagens veiculadas entre 2010 e 2015, pelo jornal O Globo, referentes à revitalização da zona portuária da capital fluminense. Discutem criticamente, empregando análise de discurso, a função do jornalismo, pois acreditam que as matérias analisadas estão indissociáveis das estratégias de branding urbano que trabalharam a imagem do Rio como marca.
Os próximos dois artigos deste dossiê também têm a cidade do Rio de Janeiro como objeto central dos estudos. Flávia Barroso de Mello e Luís Alexandre Grubits de Paula Pessôa assinam o texto Porto Maravilha: imaginários e identidades no espaço urbano (re)significado, e Débora Gauziski de Figueredo Bueno, o texto A paisagem olímpica do Rio de Janeiro: natureza e ruínas no discurso institucional . No primeiro, os autores analisam narrativas institucionais veiculadas no site portomaravilha.com.br, bem como manifestações culturais que se concretizam no porto do Rio. Trazem uma reflexão quanto ao cruzamento de projetos de revitalização urbana patrocinados pelo poder público e disputas que envolvem a produção de novos imaginários e identidades culturais na região portuária.
Débora Gauziski de Figueiredo Bueno analisa fotografias produzidas para o portal institucional Cidade Olímpica. O artigo levanta questões sobre como a paisagem do Rio de Janeiro foi representada na narrativa de transformações urbanas para os megaeventos esportivos, principalmente os Jogos Olímpicos de 2016. Para a autora, a preocupação com a natureza, que era exaltada no discurso olímpico, ficou apenas no discurso. Já as áreas retratadas como degradadas, que foram revitalizadas em função dos eventos esportivos, reforçaram o discurso do poder público que as transformou em objetos de consumo a serem compradas e compartilhadas. Fotografias também são objeto de análise do artigo Do vilarejo colonial a cidade do café: um percurso pela visualidade paulistana, de Flávio Pinto Valle. O texto traz registros fotográficos de paisagens urbanas de São Paulo entre os séculos XIX e XX. O autor se propõe a estudar como a experiência urbana mediada pela
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especulação imobiliária foi captada e mostrada por ilustradores e fotógrafos. A intenção é convidar o leitor a traçar seu próprio trajeto ao conhecer os caminhos que podem ser percorridos e experimentados.
Carlos Henrique Cunha e Josimey Costa da Silva assinam O Beco da Quarentena: cena de rasuras urbanas no texto-urbe. Neste texto, os autores partem do pressuposto que cidades são textos em construção e tais textos-urbe sofrem rupturas, as rasuras urbanas, que permitem possibilidades de existência. Por meio de análise da história do Beco da Quarentena, no bairro da Ribeira em Natal/RN, os pesquisadores trazem o conceito de rasuras urbanas e suas conexões com processos de constituição de espaços urbanos e suas produções de subjetividades.
Vem do Programa de Pós-Graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro a contribuição de Ronaldo Gonçalves de Oliveira, Daniela Menezes Neiva Barcellos e Shirley Donizete Prado, autores do texto Corpo, consumos e comensalidade na cidade: reflexões sobre os afetos na publicidade. O artigo trata a temática do afeto em uma narrativa midiática. A partir de um filme publicitário da Coca-Cola, é observado como atributos como afeto , amizade e cumplicidade são associados ao produto no contexto familiar, resgatando um tipo de comensalidade que busca reiterar um modelo de família de épocas em que as relações eram mais duradouras. Os autores analisam a negação implícita na peça publicitária das relações sociais impostas pelo consumo no mundo globalizado, ao reanimar no consumidor o desejo de que, através de determinado manual de regras, ele logrará a almejada felicidade.
A sequência de artigos deste dossiê traz, então, o texto Corpo, cidade e festa: as “performances do dissenso” no carnaval de rua carioca, de Cíntia Sanmartin Fernandes, Micael Herschmann e Flávia Magalhães Barroso. Privilegiando a centralidade do corpo, a proposta reflete sobre as práticas festivas do carnaval de rua não oficial do Rio de Janeiro. Os autores empregam como método de pesquisa a corpografia para compreender suas diversas possibilidades no espaço-tempo da cidade festiva. Festa e política manifestas pelo corpo são tratadas numa perspectiva ecosófica sobre os diversos ativismos presentes nos processos de ocupação dos espaços da cidade.
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Uma arguta visão sobre o branding urbano baseado na organização de megaeventos é desenvolvida por Flávio Lins Rodrigues, Maria Helena Carmo dos Santos e Ana Teresa Gotardo no texto Expo Milano 2015: espaço midiático para o branding urbano. No artigo, os autores têm como inspiração as Exposições Universais para abordar um grande evento contemporâneo de ampla repercussão na Europa, a Expo Milano 2015. As Expos europeias são exemplos da utilização dos eventos como estratégia de fortalecimento da marca-cidade, de forma a transformá- la numa mercadoria mais sedutora e consumível. A visão da cidade como produto mercadológico, no entanto, é também a construção de uma cidade “ideal” que muitas vezes desconsidera os diversos sujeitos e subjetividades que a compõ em.
Do Pará, vem o artigo de Luiz Cezar Santos, Um website do IP da publiCIDADE da Belemtur. O autor faz uma análise do site da Coordenadoria Municipal de Turismo do município de Belém/PA, observando até que ponto significações possíveis sobre a capital paraense estão ali disponibilizadas. Trabalha com a expressão publiCIDADE, fortalecendo as intenções de divulgar Belém, e questiona quanto da propagação de seu potencial é composta de imagens de uma cidade imaginada ou de uma cidade real.
Smart Cities: comunicação e consumo prescrito no espaço urbano é o artigo de Adriana Lima de Oliveira e de Gisela Grangeiro da Silva Castro. No texto, as autoras questionam o conceito de cidades inteligentes a partir da expressão em inglês, smart cities, recorrente nas estratégias midiáticas contemporâneas e que visa explorar o ideal de cidade que emerge como modelo para o desenvolvimento urbano. Para tanto, fazem análise de textos que trazem a publicização do conceito e procuram identificar a promoção de um ideal de fut uro.
Por meio de experiências de usuários – coletadas em entrevistas e observação participante –, Thaís Costa da Silva, Érica Oliveira Fortuna e Vinícius Andrade Pereira analisam narrativas reproduzidas nas redes digitais online que promovem hospedagem colaborativa. O artigo Entre plataformas e cidades: consumo e apropriação de territórios mediados por redes digitais de hospedagem colaborativa observa os sentidos reproduzidos nos depoimentos de pessoas que se deslocam e experienciam o turismo e as cidades. Para os autores, as interações em torno de um turismo compartilhado contribuem em para diferentes apropriações na cidade.
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No artigo Cartografia da violência no Facebook e a experiência do medo, as autoras Bianca Fernandes Antunes e Letícia Cantarela Matheus brindam esta edição com uma perspicaz discussão sobre as informações publicadas na fanpage do Facebook “Onde Tem Tiroteio-RJ”. O medo da bala perdida é a inspiração para o carioca compartilhar experiências, ressignificando, assim, o tecido urbano e sua relação com a cidade, por meio da tecnologia. As autoras analisaram um mês de postagens e alguns de seus comentários, tentando compreender as funções que esse tipo de comunicação vem a atender e, também, as restrições à mobilidade devido ao medo, sentimento recorrente em algumas metrópoles brasileiras.
Encerrando o dossiê, temos o privilégio de publicar uma entrevista com um dos mais consagrados teóricos brasileiros sobre a antropologia do consumo, Everardo Rocha. Intitulada Consumo, publicidade e trocas simbólicas, a entrevista realizada pelos professores Bruna Aucar, Marina Frid e William Corbo evidencia como as reflexões presentes nas obras de Rocha, especialmente em Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, oferecem subsídios para o entendimento das principais transformações culturais da sociedade contemporânea. O livro, publicado em 1985, é reconhecido como um estudo pioneiro na comunicação e nas ciências sociais brasileiras por abordar o consumo e a publicidade como sistemas simbólicos. Os organizadores do dossiê, assim como o conselho editorial da revista Interin, agradecem as colaborações, certos de que serão bastante proveitosas para seu público leitor. Boa leitura.
Ricardo Ferreira Freitas
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Brasil
Mônica Cristine Fort
Universidade Tuiuti do Paraná – Brasil
Fabio La Rocca
Université Paul-Valéry Montpellier 3 – França
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