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[ENTREVISTA]

Consumo, publicidade e trocas simbólicas: entrevista com Everardo Rocha

Consumption, advertising and symbolic exchanges: an interview with Everardo Rocha

Bruna Aucar

Professora do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: aucar@puc- rio.br

Marina Frid

Pesquisadora de pós-doutorado (PDR Nota 10 FAPERJ) no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ. Doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: marina_frid@yahoo.com.br

William Corbo

Professor Adjunto do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Doutor em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil. E -

mail: wacorbo@gmail.com

Resumo:

Everardo Rocha é autor de importantes obras sobre o consumo, a publicidade e a comunicação de massa. Suas reflexões oferecem subsídios para o entendimento das principais transformações culturais da sociedade moderno-contemporânea. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, publicado em 1985, é reconhecido como um estudo pioneiro nas ciências sociais brasileiras por abordar o consumo e a publicidade como sistemas simbólicos. Nesta entrevista, Rocha discute os desafios da reflexão acadêmica em torno das narrativas publicitárias e aborda o papel de Magia e Capitalismo para a consolidação do campo da antropologia do consumo no Brasil.

Palavras- chave:

Consumo; Magia e Capitalismo; Everardo Rocha; Antropologia do Consumo; Publicidade .

Abstract:

Everardo Rocha is the author of important works on consumption, advertising, and mass communication. His reflections provide insight into the main cultural transformations of modern-contemporary society. Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, published in 1985, is known as a pioneer study in Brazilian social sciences for approaching consumption and advertising narratives as symbolic systems. In this interview, Rocha discusses the challenges of academic investigations on advertising and comments on the importance of Magia e Capitalismo to the establishment of the field of anthropology of consumption in Brazil.

INTERIN, v. 24, n. 1, jan./jun. 2019. ISSN: 1980- 5276.


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Key-words :

Consumption; Magia e Capitalismo; Everardo Rocha; Anthropology of Consumption; Advertising .

Everardo Rocha, Professor Associado do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, é autor de vasta e prestigiada obra sobre o consumo, a narrativa publicitária e a comunicação de massa, que oferece contribuições significativas para a compreensão da sociedade moderno - contemporâ nea.

Em seu reconhecido estudo Magia e Capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, Rocha privilegia o diálogo com o estruturalismo de Claude Lévi - Strauss para investigar a publicidade e o consumo como lugares centrais da experiência do pensamento mágico no capitalismo. Essa perspectiva foi desenvolvida em outros trabalhos, como A Sociedade do Sonho (1995), Representações do Consumo (2006) e O Paraíso do Consumo – com Marina Frid e William Corbo (2016).

Nesta entrevista, Rocha retoma o início de sua carreira, fala dos desafios de pensar a publicidade como objeto de pesquisa nas ciências sociais, lembra com saudosismo dos tempos de estudo no Museu Nacional e aborda o papel fundamental de Magia e Capitalismo para a consolidação do campo da antropologia do consumo no Brasil.

REVISTA INTERIN Gostaríamos de começar por questões relativas à sua trajetória intelectual. Você é bacharel em Comunicação Social pela PUC-Rio e fez mestrado em Comunicação na UFRJ antes de se tornar mestre e doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ. Primeiramente, poderia falar um pouco sobre o campo da Comunicação Social no Brasil nos anos 1970 e a sua experiência como aluno nesse contexto?

Everardo Rocha – Eu entrei no curso de Comunicação porque eu gostava de estudar, ler e escrever. Achava que ia me tornar jornalista, publicitário ou alguma coisa assim. No final dos anos 1960, começa a aparecer essa ideia do curso de

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Comunicação Social e o jornalismo ganha força no Brasil. Alguns grandes jornais estavam se destacando naquele momento, o que despertou o meu interesse pela área de comunicação. Foi no curso de graduação em Comunicação Social na PUC- Rio que aconteceu o grande presente da minha trajetória profissional: descobri o meu objeto de estudo, o que gostaria de fazer na minha vida e, desde então, isso não mudou. Claro que estudei outras coisas, fiz livros teóricos sobre outros temas, como etnocentrismo, mito e cultura brasileira. Mas, na graduação, ficou muito claro para mim que eu não conseguiria fazer comunicação no sentido prático de ser um profissional do mercado de comunicação; não saberia trabalhar como jornalista, publicitário, cineasta, relações públicas. No entanto, estava adquirindo um verdadeiro fascínio por entender esse mundo e, principalmente, uma questão em especial dentro dele: por que os anúncios dizem o que dizem e por que as pessoas compram o que compram, gastam o que gastam? Rapidamente, percebi que narrativa publicitária e consumo eram duas faces da mesma moeda, uma coisa estava ligada diretamente a outra. Mas, naquele momento, o modo como se ensinavam as dimensões teórica e prática da comunicação levava a uma visão paradoxal. A teoria interpretava a comunicação de massa como uma coisa que estava a serviço do poder, da manutenção do status quo, isto é, como uma indústria a serviço de quem tinha o capital. Na ideia típica do Umberto Eco (1976), essa seria uma visão apocalíptica da mídia como um instrumento de manutenção do controle de um grupo sobre outros e não como um instrumento de transformação, independentemente das pessoas que faziam aquilo. Na universidade, uma cadeira prática, como “Redação Publicitária” por exemplo, ensinava o aluno a fazer textos absolutamente sedutores e criativos; j á na aula seguinte, sobre “Teoria da Comunicação”, o professor mostrava porque a comunicação fazia tanto mal ao mundo, era tão opressora. Então, uma aula te ensinava uma perspectiva apocalíptica e a outra te ensinava uma perspectiva integrada. Era uma verdadeira esquizofrenia.

REVISTA INTERIN Como os alunos lidavam com essa ambiguidade?

Everardo Rocha – O aluno passava por um certo conflito ético. Eu tive grandes amigos publicitários que se questionaram: será que eu quero ser isso mesmo? Preponderava a ideia de que a comunicação era um poder determinado pelo capital e

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pelo viés político de seus donos. Lembro que fiz um trabalho muito interessante sobre mitos da Comunicação com um colega de sala, o Jamari França, hoje crítico de música. Nós pegamos dois heróis, o 007 e o Kung Fu, para fazer a seguinte reflexão: quando a sociedade estava interessada na abundância, no estímulo ao consumo desenfreado, durante as décadas de 1960/1970, aparece o herói do gasto, do desperdício, do consumo absoluto, que era o James Bond, um personagem que consumia excessivamente cigarros, bebidas, carros, ternos, aviões, armas sofisticadas. Aí vem a crise do petróleo de 1972/1973, as economias entram em recesso e o discurso muda. Agora tínhamos que poupar. Nesse momento, a indústria cultural inventa um grande herói que era o extremo oposto do James Bond, o Kung Fu, um personagem que andava pelo interior dos Estados Unidos, sem armas, quase um mendigo, sem bens, sem roupa, andava a pé. Nós, naquela ingenuidade dos nossos 22, 23 anos, interpretávamos a mídia como esse grande poder, que manipulava os discursos de acordo com seus interesses do momento e achávamos que tínhamos descoberto grande coisa ali. Esse trabalho foi uma espécie de “retrato de época”. Posso dizer que os grandes ganhos da graduação foram a descoberta de meu objeto de estudos – a publicidade e o consumo – e a posterior percepção de que o campo não era tão simples assim. Logo em seguida, começo a conhecer o que é a antropologia, lendo Radcliffe-Brown, Malinowski e, sobretudo, lendo muito Lévi - Strauss. Tínhamos muitos grupos de estudos nos centros acadêmicos, até com vári os colegas que são meus contemporâneos como Eduardo Viveiros de Castro; o falecido Ricardo Benzaquen; Danilo Marcondes, que é professor aqui da PUC também; e vários outros que hoje são intelectuais importantes – Luiz Eduardo Soares, Maria Laura Viveiros de Castro. Estávamos todos convivendo na PUC no mesmo momento. Eu fui percebendo que a comunicação não é tão determinista assim. A corrente estruturalista vivia seu auge em 1966, 1967, segundo o historiador François Dosse (2007). Então estamos falando de quatro, cinco anos depois. Vivíamos o período áureo do estruturalismo, Lévi-Strauss era “o cara” e estudávamos todas essas teorias na faculdade. Com isso, percebi que havia muito mais coisas para serem entendidas do que supunha aquela perspectiva [apocalíptica] anterior.

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REVISTA INTERIN Em 1978, você ingressou em um dos principais centros da antropologia brasileira, o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ. O que despertou seu interesse pela perspectiva antropológica? Por que decidiu buscar a formação de antropólogo?

Everardo Rocha – Graças a uma passagem fundamental pela ECO. Eu estava me formando no segundo semestre de 1975 e o exame para ingressar no Museu Nacional era feito em julho do ano anterior ao que você entraria. A seleção era composta de três etapas. A primeira consistia em desenvolver um artigo sobre um assunto sugerido. Eu escolhi um tema em que precisava entender como um grupo de profissionais percebe e usa sua carteira de trabalho. Fiz uma pesquisa com os porteiros da minha rua. Esse material hoje está publicado (ROCHA, 1996). Por incrível que pareça, eu passei nessa prova. Fui para a segunda etapa, a entrevi sta. Mas eu era cabeludo demais e nenhum aluno vindo da área de comunicação tinha passado para o Museu Nacional. Acabei sendo reprovado na entrevista e sofri muito. No final daquele ano de 1976, ainda tinha um último processo seletivo em aberto, o da Escola de Comunicação da UFRJ, que, fundada em 1973, estava em suas primeiras turmas. Hoje é um programa extraordinário, nota 7 da Capes, mas naquele momento estava começando. Eu passei para a ECO e lá conheci uma figura absolutamente fundamental para mim, que foi o professor Muniz Sodré, que me mostrou que as questões da comunicação não eram tão simples assim. Foram anos extraordinários de estudos na ECO, de 1976 a 1979. Com isso, percebi que eu tinha que fazer outro mestrado em antropologia, porque precisava conhecer aquela ciência profundamente. Concluí o mestrado da ECO com uma dissertação sobre o ofício de publicitário. No final dessa pesquisa, apresento a ideia do publicitário como um bricoleur, que era uma ideia tipicamente estruturalista e antropológica. Fiz novamente o exame do Museu em 1977, justamente com um trabalho sobre a representação dos publicitários e a banca, composta pelos professores Gilberto Velho, Lygia Sigaud e Francisca Keller, me aprovou. Nesse momento, eu já tinha conhecido o Roberto DaMatta, que viria a ser meu orientador. Então, entro no Museu em 1978 e hoje lembrar disso me causa uma tristeza profunda. Naquelas salas do Museu Nacional, eu passei várias tardes da minha vida; íamos depois da aula ver as múmias, brincar com os dinossauros, até porque o Gilberto Velho brincava muito

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com os poderes das múmias que corriam atrás dos alunos. Frequentei demais aquele espaço, lugar de afetos, amores, amigos, momentos felizes e isso tudo acabou completamente. Lá tinha gente que estudava índios, gente que estudava campesinato e gente que estudava antropologia urbana com temas mais pesados – conflito urbano, favela, prostituição, trabalhos etnográficos mais “duros”. Quando eu disse que queria estudar publicidade e consumo, só o Roberto DaMatta teria espaço naquele momento para aceitar orientar uma ousadia dessas. E ele aceitou. Ele já tinha pensado muitas coisas sobre publicidade e me deu umas folhas datilografadas de análise da publicidade. Ele até conta essa história no prefácio do Magia e Capitalis mo (DAMATTA, 1985). DaMatta falava muito sobre um mundo mágico. Com isso, fui fazer algumas disciplinas que me levaram a conhecer um dos livros que mais marcou a minha vida intelectual, que foi O pensamento selvagem, do Lévi-Strauss (2011 [1962]), onde eu entendi que o sistema classificatório, que opunha natureza e cultura no mundo tribal e articulava essas duas séries de coisas descontínuas, poderia ser equivalente à narrativa publicitária e ao consumo, que mediariam diferenças e semelhanças da esfera da produção para a esfera do consumo. Essa foi uma boa intuição da minha vida acadêmica. Primeiro, porque vai contra o próprio autor da ideia, já que Lévi-Strauss dizia que o totemismo se restringiria às sociedades tribais e eu abro esse horizonte dizendo que não era necessariamente assim, que essa perspectiva poderia ser mais ampla e englobar a narrativa publicitária. Segundo, porque eu pego um grande conceito da história do pensamento e aplico em um tema impensado anteriormente, que é a narrativa publicitária e o consumo. Então foram quase doze anos de estudo intenso no Museu, uma cobrança absurda, um ethos rigoroso; tínhamos o tempo todo professores de fora: Goffman, Becker. E nfim, tínhamos um orgulho muito grande de estar ali.

REVISTA INTERIN Como já destacado em entrevistas anteriores (HERSCHMANN & VILLAÇA, 2006; ENNE & PEREIRA, 2014), seu livro Magia e Capitalismo foi um estudo pioneiro na área da antropologia do consumo no Brasil. O que o motivou a pesquisar a publicidade, tema tão pouco explorado por antropólogos brasileiros na época, ainda mais em um ambiente institucional sem

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afinidade com pesquisas em estudos de mídia? Como você tomou as decisões teóricas responsáveis por essa trajetória?

Everardo Rocha – Bom, na verdade, a decisão de estudar publicidade foi tomada muito antes, lá na graduação, quando descobri que queria entender esse negócio. P or que um cachorro falava [no anúncio] e as pessoas achavam normal? Por que todo mundo [no anúncio] é maravilhoso? Eu quero morar dentro de um anúncio. Por que é que quando você diz “vem pra Caixa você também, vem” as pessoas não vão morar lá dentro da Caixa? Se, como dizia a teoria, as pessoas obedecem ao que a mídia diz, quando o anúncio fala “vem pra Caixa você também” as pessoas deveriam querer ir morar lá – “ah, eu vim pra Caixa, vim morar na Caixa, porque vocês me mandaram”. Então, isso parecia muito mais complicado. Que mundo estranho é esse? Essa era a minha perspectiva sobre a publicidade e o consumo. O que aconteceu no Museu foi que eu tive o acolhimento por parte de um professor, o Roberto DaMatta, muito especial lá dentro, especial por vários motivos, por essa abertura – porque, na realidade, não havia “estudos de mídia” naquele momento. Historicamente, essa expressão nem faz sentido, não tem muita conexão com os anos 1970, porque naquela época as pessoas no Brasil nem sabiam se escreviam mídia com “i” ou com “e” – media, mídia ou meio –, ainda estavam decidindo qual era a palavra. Então, o curioso é que o Roberto deu essa abertura. Havia muitos antropólogos bons falando de magia e isso foi me dando massa crítica, além dessa ideia, sobre a qual falei na pergunta anterior, do sistema classificatório. Lévi-Strauss diz: “olha esse negócio de totem, de totemismo, não existe como fenômeno; isso aí é simplesmente um modo de pensar o mundo, um modo de pensar o mundo dito selvagem, porque não é um modo de pensar igual a razão científica privilegiada na tradição ocidental, é um outro modo de pensar, que aproxima e separa as coisas e os seres por suas qualidades sensíveis”. O que Lévi-Strauss (2011 [1962]) mostra é que o totemismo é um outro modo de conhecimento, outro modo de conhecer, de uma sociedade produzir conhecimento. Não existe o totemismo, o que existe é um sistema de classificação alternativo à lógica científica ocidental. Então, eu achei que esse sistema classificatório se aplicava perfeitamente ao tipo de material mágico que eu tinha na minha mão, que eram os anúncios. Eles seriam uma forma de totemismo ao pegar um objeto, por exemplo, um carro, que tem uma história de exploração, de trabalhadores nas

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fábricas, de capitais, de tecnologias, isto é, uma história social pesadíssima... quando isso entra em um anúncio, vira “meu carro”. Outro exemplo é o meu iPhone querido : com as minhas fotos, meus apps para falar com os meus amigos, vira algo completamente pessoal. Nada é mais singular do que o meu iPhone e, ao mesmo tempo, ele é totalmente serializado. Tudo nele é absolutamente igual aos outros iPhones do planeta e, por outro lado, tudo nele é absolutamente diferente de todos os demais. Essa é a ideia da publicidade como sistema classificatório: séries de produtos impessoais, sem nome, sem nada humano, feitos em fábricas padronizadas por meios mecânicos, que, ao serem nomeados, etiquetados, anunciados, têm sua história social apagada e são recriados na esfera da magia, na esfera de ser uma coisa alegre, feliz, pessoal, enfim, um bem de consumo.

REVISTA INTERIN Em 1979, quando você já cursava o Mestrado no PPGAS do Museu Nacional/UFRJ, seu orientador, Roberto DaMatta, publica Carnavais, Malandros e Heróis e consolida uma nova perspectiva para pensar a sociedade brasileira. Também podemos encontrar elementos dessa abordagem no criativo artigo “O carnaval como um rito de passagem”, presente no livro Ensaios de Antropologia Estrutural, de 1973. Qual foi a influência do Roberto DaMatta na sua trajetória como antropólogo?

Everardo Rocha – Foi total. Primeiro, porque não reprimiu em nada as minhas ideias, até porque ele é uma pessoa muito criativa. Então, ele não queria um aluno que fosse seguir os passos dele exatamente, sabe? Ele era um orientador de estilo mais solto, tanto que até hoje orienta trabalhos de temas bem díspares. Também nunca foi um orientador de ficar em cima. Ele de vez em quando vinha com uma dica de leitura. Eu lia e era um gol de placa. Por exemplo, na época, ele me deu de presente o livro do Roy Wagner, também me indicou A Grande Transformação do Polanyi (2011 [1944]). Eu conheci o Roberto já em um momento de transição na trajetória dele como antropólogo, quando ele deixa de estudar sociedades tribais e começa a aplicar o vastíssimo conhecimento dele de teoria antropológica e, sobretudo, o viés lévi-straussiano para entender a cultura brasileira. Ele me levou para o Leach, o Turner, para o Goffman – foi ele quem me falou para ler o Gender Advertisements (GOFFMAN, 1979). O Roberto também me sugeriu o McLuhan, que

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eu já tinha lido muito na graduação, mas ele me deu de presente o The Mechanical Bride (MCLUHAN, 2008 [1951]), que não foi publicado no Brasil. Também me indicava alguns autores que seguiam por um viés diferente do dele, mas que eram importantes de se conhecer, como o Bourdieu. O estilo de orientação do DaMatta combinou muito bem comigo. Ele é igual a mim, digo, eu tento ser um orientador igualzinho ao que ele foi para mim. Eu conversei com o Roberto sobre a ideia de fazer um estudo da publicidade e ele disse: “Isso é bom, isso é bom! Traz um esquema da sua tese.”. Quando eu apresentei o esquema, ele falou: “Está muito bom isso aqui. Espetacular. Agora vai lá e traz pronto”. Quando entreguei o Magia e Capitalismo, ele não quis mudar basicamente nada. Só me telefonou e disse: “Garoto, muito bom! Você conseguiu! Espetacular, excelente! Vamos defender.”. Ele me deixou solto, não reprimia em nada, incentivava muito. O meu encontro com o Roberto foi uma alquimia muito legal, muito positiva, tanto que somos grandes amigos até hoje.

REVISTA INTERIN A publicação de Magia e Capitalismo se dá no mesmo momento em que alguns autores se consagraram por pensar o consumo como expressão cultural. Entre eles estão Grant McCracken, Colin Campbell, Daniel Miller, que você mesmo chama em sala de aula de “geração oitenta”. Por que as Ciências Sociais demoraram tanto a dar atenção à dimensão cultural do consumo? Everardo Rocha – Bem, você está falando aí de um conjunto de antropólogos, um pouco depois tem o Dominique Desjeux também, um grupo de pessoas que têm um vínculo forte com a antropologia e também com a sociologia. Lá atrás, naquele momento do estruturalismo, tem o trabalho do Baudrillard (2009 [1970]) sobre A Sociedade do Consumo, os trabalhos do Barthes, como a análise dos anúncios da Panzani (BARTHES, 1964), o estudo do Umberto Eco (1991 [1976]) sobre heróis midiáticos, também uma coisa ou outra sendo feita no Brasil, como o livro da Zilda [Knoploch]. Aquela revista francesa Communications, por exemplo, tem muita publicação sobre comunicação de massa, porque, digamos assim, esse foi o lado que o Roland Barthes puxou do estruturalismo, abriu o campo estruturalista para uma porção de coisas. Havia o Lévi-Strauss de antropólogo “duro”; o Lacan de psicanalista “duro”; o Foucault, mais novo, de historiador ou arqueólogo das ideias ;

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enquanto o Barthes é quem abre o estruturalismo para várias coisas – literatura, comunicação de massa, publicidade, tudo isso. Ao mesmo tempo, antes dessa geração [dos anos 1980], você tem também um fenômeno curioso, porque a economia tem uma reflexão sobre o consumo, mas muito periférica. E a razão disso é o primado da produção. Também tem a área de administração já pensando sobre consumo, se bem que nessa época pensava-se mais, acredito em coisas como finanças, organizações, estratégias. O marketing já existia, mas ainda muito vinculado ao matemático, ao quantitativo. O consumo nos anos 1970 ainda não era abordado por eles como um fenômeno da cultura, abordagem essa que é a dos autores do estruturalismo e dessa geração dos anos 1980. Acho que uma das razões para isso é que toda a questão da modernidade e sobretudo a própria Economia passa pela produção. Como Marx dizia que a economia determinava tudo, a econo mia virou carro-chefe de um lado. Já no estruturalismo, o carro-chefe era a linguística . Então isso abriu para um tipo de perspectiva que, tendo a economia como o carro - chefe, ficava mais difícil de desenvolver, porque nesse viés o consumo é periférico e a reflexão central era sobre a produção. E os cientistas sociais aplicavam as ideias sobre os modos de produção e a infraestrutura econômica aos diversos problemas sociais. O primado da produção sobre a reflexão em geral nas ciências sociais foi muito grande, porque vem a partir do Marx e de outros pensadores da economia e isso refletiu na história, na sociologia, na antropologia, em vários lugares. Na primeira metade dos anos 1980, quando as pessoas dessa “geração”, inclusive eu, estavam gestando os seus livros, já havia um impacto forte de tudo que aconteceu nos anos 1960 e 1970 com a repercussão do estruturalismo, que abriu muito a reflexão e tirou um pouco do peso da produção, permitindo, ao que me parece, que outros objetos acabassem aparecendo com uma certa autonomia. E, assim, esses autores dos anos 1980 saíram publicando seus livros quase que ao mesmo tempo. É possível que haja outros pensadores que eu não conheça, porque, assim como eu, não escrevem em inglês, não são desse eixo Europa-Estados Unidos, o que torna mais complexo ainda esse quadro que eu chamo de “geração dos anos 1980”. De toda forma, são esses os mais visíveis no Brasil, os primeiros antropólogos que aparecem, mais ou menos ao mesmo tempo, acho que nessa espécie de liberação de perspectivas e de objetos, no espaço aberto por essa ênfase no simbólico e não na

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produção que o estruturalismo traz, por conta dessa tradição puxada pela linguística e não pela economia.

REVISTA INTERIN De fato, na década de 1970, alguns antropólogos já começam a falar sobre consumo de maneira periférica em suas obras...

Everardo Rocha – É. O Roy Wagner, por exemplo.

REVISTA INTERIN Marshall Sahlins, Mary Douglas... Qual foi a importância desses trabalhos para que, na década de 1980, surgissem autores interessados em entender o capitalismo por um viés antropológico e através do consumo?

Everardo Rocha – Acho que isso tem diretamente a ver com a Mary Douglas. Bem, antes, tem um autor como o Marshall Sahlins, que conclui o seu livro maravilhoso [Cultura e Razão Prática de 1976] sobre a história do pensamento antropológico, cuja ideia central é mostrar que esse pensamento deve ser mais cultura do que razão prática, mais simbólico do que produção, com uma análise da pensée bourgeoise como sistema simbólico. Isto é, ele mostra que o pensamento burguês, que seria o suprassumo do produtivista, recorre a categorias simbólicas do mesmo modo como o faz uma sociedade tribal. Tem também, naquele momento, o Roy Wagner (2017 [1975]) fazendo um trabalho muito criativo sobre cultura, A Invenção da Cultura , que inclui algumas páginas intensas de análise da publicidade como mágica, a partir do slogan “It works like magic”, fundamental ao discurso publicitário. E aí você tem uma grande antropóloga, a Mary Douglas, mundialmente famosa, importantíssima, porque tinha feito um livro absolutamente divisor de águas, que é o Pureza e Perigo (DOUGLAS, 2010 [1966]), que, no final dos anos 1970, escreve O Mundo dos Bens: para uma antropologia do consumo (DOUGLAS, 2004 [1979]). Pessoalmente, isso foi fundamental, porque ganhei uma legitimidade que não tinha antes. A Mary Douglas abençoou o tema, criando, inclusive, um campo, uma antropologia do consumo. Foi um acontecimento fundamental. E isso tem tudo a ver com esses outros autores da década de 1980, que são mais jovens do que essa turma de Mary Douglas, falecida em 2007: Marshall Sahlins, ainda vivo, com quase 90 anos, e Roy Wagner, que morreu recentemente. Esses antropólogos abriram as portas para nós dos anos 1980. Apesar da antropologia britânica ser meio refratária ao estruturalismo francês,

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o Pureza e Perigo, embora não explicitado, tem muita relação com a linguística, com classificação por pares de oposição, com questões estruturalistas. Douglas escreve O Mundo dos Bens, aliás, em parceria com um economista, o Baron Isherwood. Juntos, eles dão ênfase ao consumo como fenômeno da cultura. E isso ajudou muito, abriu as portas para eu me sentir muito melhor para fazer a minha pesquisa. Pode ser que esses trabalhos tenham sido importantes para os outros autores dos anos 1980 também. Mas, resumindo, eu diria que o estruturalismo, por estar vinculado demais à linguística – a ciência-piloto do conhecimento humano, como se dizia –, libera um pouco a interpretação produtivista das questões das ciências sociais, que era uma interpretação puxada pelo marxismo e pelo viés econômico em geral.

REVISTA INTERIN Em Magia e Capitalismo você utiliza algumas categorias da antropologia, como magia, ritual, mito e totemismo, para analisar a produção e os significados da narrativa publicitária. Como estes conceitos trazidos da antropologia impactam o campo da comunicação?

Everardo Rocha – O campo da comunicação é genial, porque, quando eu comecei a vida acadêmica, todo mundo pensava que era algo aberto demais. No meu curso de graduação tinha de tudo. Um professor dava aula de psicanálise, outros davam antropologia, História... Era assim, tudo em Ciências Humanas. Muita linguística! O que a gente foi obrigado a ler de Saussure, Jakobson, Hejmslev, Greimas e outros aos montes na graduação... Acabou que eu abracei e me apaixonei pela antropologia, mas poderia ter sido qualquer coisa. Poderia ter me tornado linguista, por exemplo. Essa multidisciplinaridade da comunicação, tanto na graduação quanto na pós- graduação, que era muito presente na ECO, onde tinha gente de literatura, de psicanálise, História, sociologia, antropologia, essa diversidade, multidisciplinaridade, para compor o campo era a cara da comunicação daquela época. Eu ficava até um pouco invejoso dos meus amigos que eram historiadores, antropólogos, que tinham um campo mais bem delimitado, um caminho mais claro. Mas, com o passar do tempo, você percebe que tudo está se tornando multidisciplinar. Não foi o contrário, a comunicação que se enquadrou como uma coisa dura, mas foram os outros que se superpuseram um pouco e ampliaram as suas fronteiras.

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REVISTA INTERIN O José Carlos Rodrigues (2015) indica, inclusive, que isso tem alguma relação com o estruturalismo também.

Everardo Rocha – Sim, porque o estruturalismo já tinha quatro pensadores dedicados a objetos diferentes reunidos em torno de um modo de pensar, um modo de olhar o mundo. Aliás, o Lévi-Strauss (2012 [1953]) escreveu em um artigo dos anos 1950 que a comunicação seria uma ciência que faria a tradução conceitual entre todas as diferentes ciências. Então, esses conceitos impactam, porque o campo da comunicação começa a absorvê-los; ele é um campo aberto a essas coisas. O impacto do conceito “x” de antropologia em uma área também mais “dura”, como a psicologia, é uma coisa. Já o impacto em uma área aberta, como a comunicação, é outra. Nesse caso, ele rapidamente passa a ser incorporado. Essas coisas passaram todas a serem incorporadas – mito, ritual, magia, tudo isso. As pessoas usam esses conceitos o tempo inteiro na comunicação hoje em dia, assim como usam subjetividade, inconsciente, conceitos da psicologia, como usam da economia, muito da filosofia. Usamos tudo. Somos uma força centrípeta capaz de misturar várias coisas com inteligência, inclusive, para conseguirmos analisar a multiplicidade de objetos que temos também.

REVISTA INTERIN Como A Sociedade do Sonho: comunicação, cultura e consumo, originado da sua tese de doutorado defendida em 1989, também no PPGAS do Museu Nacional/UFRJ, e publicado como livro em 1995, se conecta com suas reflexões sobre o consumo e a comunicação de massa iniciadas em Magia e Capitalismo? Poderia detalhar mais o processo de construção da tese?

Everardo Rocha – Olha que curioso. Certa vez, Maybury-Lewis conversava comigo e com outros alunos do Museu, em uma festa na casa do Roberto DaMatta, sobre nossos projetos de tese. Ele fez uma metáfora dizendo que nós somos uma espécie de cowboy que tem vários alvos para atirar, mas só dois ou três tiros; então, é bom você saber que não pode estudar tudo que quer e não temos vida útil para isso também. Isso foi bom para mim, porque eu decidi seguir estudando as mesmas coisas. Também acho curioso que o meu livro mais conhecido seja Magia e Capitalismo , pois muitos amigos meus, inclusive o Danilo Marcondes, um dos intelectuais que mais respeito, acreditam que A Sociedade do Sonho é melhor do que Magia e

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Capitalismo. Em A Sociedade do Sonho aconteceu a segunda grande ideia teórica que eu tive. Lévi-Strauss dizia que são três grandes revoluções: paleolítico, neolítico e industrial. Isso é muito forte, nós estamos vivendo essa última revolução. Essas sociedades que vinham antes no processo da formação da sociedade ocidental, não foram estudadas por antropólogos, mas sim por historiadores. Os antropólogos estudaram sociedades que eram muito diferentes da tradição ocidental, eram sociedades de caçadores e coletores. A antropologia por vezes classificou essas sociedades como “sem Estado”, “sem história”, “sem indivíduo” e “não produtivas” ; ou seja, chamava atenção para aquilo que nelas faltaria. Além disso, se eu falo que as sociedades tribais são sem Estado, sem história, sem indivíduo e sem produção é porque acho que essas coisas são fundamentais. Com essa ideia na cabeça, li muita coisa – a análise do Polanyi entre as mais importantes – sobre os primeiros movimentos da Revolução Industrial e percebi que apareciam as mesmas quatro coisas que os antropólogos diziam que as sociedades tribais não tinham. A revolução industrial impõe essas coisas. Acreditei nesse viés e notei que a revolução industrial seria marcada por quatro transformações concomitantes e articuladas: ênfase na produção, no indivíduo, no tempo linear e no Estado moderno. Nós fizemos uma sociedade que nos últimos 400, 500 anos segue enfatizando esses quatro eixos. O ponto é que eu tinha percebido que, assim como nas sociedades tribais, na sociedade que vive dentro da comunicação de massa essas coisas também não existem. Não existe produtivismo, não existe tempo linear, não existe individualismo e nem mesmo poder coercitivo do Estado. É como se nós criássemos categorias centrais para a nossa existência, disséssemos que outros diferentes de nós não tinham essas categorias e inventássemos uma sociedade imaginária que também não tem essas coisas e é extremamente mágica, é a sociedade “dentro” da comunicação, particularmente “dentro” dos anúncios. É um mundo totalmente relacional. Falando do tempo linear, os anúncios brincam com o tempo à vontade. Sobre produtivismo, em anúncio e novela ninguém trabalha. Quando aparece alguém trabalhando é para imediatamente parar a atividade e tratar do que é sério; isto é, o amor, o desejo, a fofoca e assim por diante. Por exemplo, uma novela que estava sendo transmitida na época que escrevi a tese se passava dentro de uma empresa de aviação. Eu não entendia como os aviões não caíam, pois as pessoas paravam de trabalhar o tempo

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todo, era um ócio absoluto. Além disso, tudo em um anúncio é plenamente realizado e é grátis: você tem as coisas, dirige os carros, está tudo plenamente realizado. A comunicação cria uma sociedade sem o tempo linear, uma sociedade em que você tem tudo abundantemente sem fazer esforço para isso, em que todo mundo se conhece e onde todos são mais persuadidos das coisas do que obrigados a fazê- las. Nesse último caso, a publicidade e a comunicação podem ser entendidas como os chefes indígenas, que precisam convencer e persuadir as pessoas, pois não são dotados de poder coercitivo. O anúncio, a novela, o filme e a mídia em geral tenta m o tempo inteiro nos persuadir a comprar um produto. Para essas ideias, a obra do Pierre Clastres foi fundamental, pois tentei mostrar que a vida social tal qual reproduzida dentro do mundo dos anúncios e da comunicação é em tudo igual a nós e contrária aos eixos centrais que fizeram a modernidade. Nesse sentido, parece com a sociedade tribal e remete a algo das sociedades pré- industriais.

REVISTA INTERIN Falando um pouco mais da sua vinculação institucional. Você foi Professor Colaborador do Instituto COPPEAD da UFRJ, entre 1995 e 2002. Também ministrou disciplinas no IAG da PUC-Rio e publicou com pesquisadores deste departamento. Gostaríamos de saber um pouco mais sobre esse encontro com o campo da administração, assim como sobre as atividades e parcerias de pesquisa desenvolvidas nessa instituição. Em que sentido essa experiência interdisciplinar repercutiu no seu trabalho?

Everardo Rocha – O campo da administração é um campo muito aberto e acolhedor para ideias novas. Fui chamado para participar porque leram o Magia e Capitalismo e meus outros trabalhos. Naquela época, estava soprando um vento mais de simbolismo e humanas, do que de matemáticas e engenharias na Administração. Isso se deu em 1989 e 1990, mais ou menos. Fui para o COPPEAD na época, no âm bito do Pronex, coordenado pela professora Angela da Rocha. Isso me permitiu atuar na pós e orientar alunos em mestrado e doutorado. Depois, o IAG da PUC-Rio também foi parceiro. Foi um momento muito rico, pois há uma proximidade muito grande entre os meus estudos e a área da administração. Hoje, esse movimento de simbolismo e humanas é forte na Administração; surgiu mesmo uma linha de pesquisa sobre consumo, a Consumer Culture Theory. O problema da área da

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administração é a “prisão do aplicado”, a ideia de que toda reflexão tem um compromisso empresarial muito forte.

REVISTA INTERIN Você é Professor Associado do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio desde 1976. Mas, o Programa de Pós- Graduação em Comunicação da mesma instituição só foi estabelecido nos anos 2000: o mestrado em 2003 e o Doutorado em 2012. Como a criação do PPGCOM da PUC - Rio afetou o seu trabalho e contribuiu para as suas pesquisas nos últimos 15 anos? Everardo Rocha – Vocês são o exemplo vivo disso. O centro da minha vida na universidade sempre foi o acadêmico, a reflexão, a pesquisa e a produção intelectual. Mas em uma instituição que só tem graduação isso é mais difícil. Então, o Pronex permitiu isso logo que me doutorei e passei a colaborar no COPPEAD. Lá, orientei muitas dissertações e teses interessantes, inclusive da professora Carla Barros, que hoje é uma acadêmica importante na área da comunicação. Mas o centro da minha vida profissional sempre foi a PUC; o COPPEAD foi um espaço muito significativo para minha experiência em pós-graduação. E as parcerias aconteceram: publiquei trabalhos com a Angela da Rocha, com outros professores e também com alunos. O que aconteceu de fato com o surgimento do PPGCOM da PUC-Rio foi a possibilidade de ter uma maior interlocução com os alunos e escrever artigos com eles de forma mais intensa. O meu último livro (ROCHA, FRID & CORBO, 2016), por exemplo, foi feito com dois de vocês, um trabalho que considero importante. Esse tipo de parceria espero que não acabe até a minha aposentadoria, pois considero algo fundamental para a troca no ambiente acadêmico e até mesmo para a energização.

REVISTA INTERIN Suas pesquisas parecem estar cada vez mais voltadas para momentos e questões da história cultural do consumo, como se verifica por suas publicações mais recentes, bem como pelas teses e dissertações de alguns de seus alunos (nos incluímos entre eles). Poderia explicar como esse interesse pelo viés histórico se encaixa na sua trajetória intelectual? O que o levou a investir nesse caminho de investigação?

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Everardo Rocha – É uma volta ao passado, pois eu sempre gostei de História desde os tempos do colégio. Descobrir certas coisas através da História é absolutamente revelador do tempo presente, é perceber que as coisas não mudam tanto assim. Além disso, fazer esses estudos históricos é algo muito importante, pois um campo de saber que não tem sua própria História não se fortalece como um campo de saber. A História do consumo é fundamental para construir o consumo como objeto, como queria a Mary Douglas. Essa é uma tarefa que eu gosto e me proponho a fazer.

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Recebido em: 05.10 .2018

Aceito em: 12.11 .2018

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